Fanny 100

Uma visita, cinco décadas depois

Decio Zylbersztajn


Caminhei duas quadras para encontrar D. Fanny e no trajeto a minha mente revolveu, sem que eu a dominasse, fatos ocorridos há mais de cinco décadas. No final dos anos 60 eu parava no ponto do ônibus próximo da Praça XIV Bis e subia a Rua Barata Ribeiro. Sentia marcada emoção quando visitava a Ruth, filha mais jovem do casal Costa Lopes, sempre cercada pelos irmãos mais velhos e pelos muitos frequentadores do pequeno-grande apartamento. Subia os degraus do prédio onde a família morava e era acolhido por D. Fanny que invariavelmente me olhava e dizia: “Mas este menino é tão magrinho!”. E assim ela jogava toneladas de carinho que acalmavam o meu coração.

O apartamento da família Costa Lopes transbordava afeto, um sentimento de liberdade de falar e pensar marcava o ar que lá se respirava, que contrastava com o ar pesado dos anos de chumbo. Pensar era perigoso, mas não no apartamento de D. Fanny, lá os mobiles giravam no teto movidos pela brisa do afeto. Eu nem imaginava que aquela mulher que combatia a minha magreza era o motor que mantinha a vida a jorrar sem interrupção no pequeno apartamento da Barata Ribeiro, e que passara por Berlim, Lisboa e Angola.

Quando cheguei ao portão da casa da Ruth, fui recebido com um aviso. – Ela não sabe que estás aqui, vamos fazer uma surpresa. – Quando encontrei D. Fanny ela tomava sol no pátio da casa, sabia que receberia uma visita, mas não podia me ver. Me aproximei e a cumprimentei, para minha surpresa ela reconheceu minha voz e perguntou sobre o meu filho a quem encontrou uma única vez no clube. O meu coração pulsava como se tivesse subido a Rua Barata Ribeiro cinquenta anos passados.

Eu encontrei a mesma mulher que me recebera na infância. Uma mulher lapidada pelo tempo que, se lhe prejudicou alguns sentidos, não conseguiu diminuir o afeto que ela construiu ao seu redor. As décadas passadas foram de perdas e ganhos, a perda dos familiares que se foram foi compensada pelos netos e bisnetos e pelo imenso carinho que a cerca. D. Fanny manteve a beleza que o tempo não rouba, também a força e a dignidade que algumas pessoas conseguem construir ao longo da vida. A mensagem em vídeo, finamente elaborada pelos seus netos, mostra que D. Fanny semeou amor nas gerações que a sucederam. 

Sou grato a D. Fanny, em especial pela força da vida que ela representa e me sinto honrado por estar entre os que tiveram o privilégio de conhecê-la.

Decio Zylbersztajn



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